Uma "Estória" de Alvalade
Peço desculpa ao amigo Mindo por meter já este post que pensava editar um destes dias quando o ambiente estivesse mais calmo. Até porque, como ele, vou votar Não no dia 17. Por razões que oportunamente explanarei.
De qualquer modo, o ambiente está demasiado crispado esta noite entre sportinguistas. O que se faz numa altura destas? Recorre-se ás memórias boas, ao que nos une, a coisas que todos recordamos como saborosas.
O que transcrevo a seguir é um trecho de um livro chamado "Estórias d´Alvalade". A "Estoria" em causa está na página 32 e é um relato de Morais respeitante à eliminatória com o Manchester United da Taça das Taças de 1963/64. Então aqui vai:
"Eu era sempre o escolhido do grupo para falar com os Directores porque conseguia sempre dizer as coisas sérias com ar de brincadeira. No regresso de Manchester, ainda no avião, foi isso que aconteceu. Meia duzia de jogadores, daqueles mais importantes, juntaram-se e pediram para falar com o dirigente Mário Cunha. "Morais, nós perdemos em Manchester porque o Lucio não cumpriu a obrigação dele" foi mais ou menos este o teor da conversa. Jogámos numa 4ª Feira, chegamos na quinta a Lisboa e pedimos imediatamente uma reunião ao Mário Cunha. Ficou marcada para sexta feira, às 21H30, na secção de futebol. Mas ele apareceu mais cedo, ainda durante o treino. Estávamos no campo, lá vinha ele de sobretudo amarelo, perguntando logo ao treinador se o treino ainda demorava muito. Depois pediu-lhe que dispensasse o Fernando Mendes, o Hilário, o Carvalho e eu porque queria falar conosco.
Lá fomos. Havia um ambiente desconfortável, nunguém queria assumir a responsabilidade de começar a conversa. O Mário Cunha olhou para nós e disse "é pá, se têm vergonha de falar, não tenham". Eu, claro, tomei a palavra e disse "o Mendes, ou está com medo ou tem medo. Sabe uma coisa, nós não queremos o Lucio a jogar na equipa porque ele foi o carrasco dos 4-1. Além disso, o Lucio não respeita o estágio como nós respeitamos, sobretudo em termos de alimentação. E se o senhor Mário estiver de acordo, nós gostaríamos de ver o Lucio fora da equipa o mais depressa possivel, para bem do clube". O Mário Cunha fez uma pausa e perguntou-me "e quem é que voces punham a jogar no lugar dele?" - "O Alexandre Baptista" - respondemos quase todos ao mesmo tempo. Morais, Alexandre Baptista, José Carlos e Hilário...não havia melhor defesa. Depois, como prova do nosso empenho, prontificámo-nos a ir para estágio durante 15 dias, até ao jogo da segunda mão com o Manchester. O Mário Cunha ficou parvo!
No dia em que pedimos para ficar em estágio, abraçamo-nos todos, demos as mãos e lançamos o mote "vamos a eles! Temos de os comer em Alvalade"!
No fim de semana seguinte jogámos para o campeonato e o Lucio já não actuou. Cumprimos a nossa palavra e até ao dia do jogo com o Manchester, só íamos a casa de 3 em 3 dias, buscar umas cuecas e uma camisola interior e deixar a roupa suja. Mesmo assim, íamos acompanhados por uma pessoa do Sporting. Tínhamos mesmo vontade de passar aquela eliminatória com o Manchester.
Além dos treinos normais, à noite, por volta das 22 horas, treinavamos às escuras em Alvalade. Íamos ao balneário, vestíamos o fato treino, sapatilhas e treinavamos. Nunca ninguém nos pediu, nós é que íamos por auto-recriação. Chagávamos às 11 e tal, quase meia noite, tomavamos o banho e íamos para a cama. Passamos os 15 dias assim. Treino de manhã, treino à tarde e treino à noite. Quanbo estavamos bem dispostos "malta, como é que é...vamos fazer um treininho lá para baixo" e íamos, 18 convocados, sem treinador e sem dizer nada a ninguém. Nós até tínhamos um autocarro à disposição na porta 10-A, o condutor era o Sr. Joaquim, para irmos ao cinema, mas nós não queríamos. Só pensavamos na cor do Manchester. Eu às vezes até dizia ao Carvalho, meu companheiro de quarto: "é pá, até parece que vejo os gajos do Manchester à minha frente durante o sono". Nós responsabilizamo-nos por aquela saída do Lucio e pela entrada do Alexandre. Em troca, tínhamos que eliminar o Manchester United. Como diz um ditado antigo: fizemos como as putas - unimo-nos, fomos todos juntos para todo o lado, até ao fim. Não saímos de casa. Estivemos 15 dias encurralados, só para ganhar aos gajos do Manchester. O Lucio nunca mais jogou. Acabou a ápoca e foi para o Brasil."
O resultado do jogo de Lisboa foi 5-0. A época acabou com a vitória na final da Taça das Taças contra o MTK, com o tal cantinho do Morais na finalíssima.
Nesse Manchester United que actuou em Lisboa, jogavam entre outros Bobby Charlton e George Best!
JG
De qualquer modo, o ambiente está demasiado crispado esta noite entre sportinguistas. O que se faz numa altura destas? Recorre-se ás memórias boas, ao que nos une, a coisas que todos recordamos como saborosas.
O que transcrevo a seguir é um trecho de um livro chamado "Estórias d´Alvalade". A "Estoria" em causa está na página 32 e é um relato de Morais respeitante à eliminatória com o Manchester United da Taça das Taças de 1963/64. Então aqui vai:
"Eu era sempre o escolhido do grupo para falar com os Directores porque conseguia sempre dizer as coisas sérias com ar de brincadeira. No regresso de Manchester, ainda no avião, foi isso que aconteceu. Meia duzia de jogadores, daqueles mais importantes, juntaram-se e pediram para falar com o dirigente Mário Cunha. "Morais, nós perdemos em Manchester porque o Lucio não cumpriu a obrigação dele" foi mais ou menos este o teor da conversa. Jogámos numa 4ª Feira, chegamos na quinta a Lisboa e pedimos imediatamente uma reunião ao Mário Cunha. Ficou marcada para sexta feira, às 21H30, na secção de futebol. Mas ele apareceu mais cedo, ainda durante o treino. Estávamos no campo, lá vinha ele de sobretudo amarelo, perguntando logo ao treinador se o treino ainda demorava muito. Depois pediu-lhe que dispensasse o Fernando Mendes, o Hilário, o Carvalho e eu porque queria falar conosco.
Lá fomos. Havia um ambiente desconfortável, nunguém queria assumir a responsabilidade de começar a conversa. O Mário Cunha olhou para nós e disse "é pá, se têm vergonha de falar, não tenham". Eu, claro, tomei a palavra e disse "o Mendes, ou está com medo ou tem medo. Sabe uma coisa, nós não queremos o Lucio a jogar na equipa porque ele foi o carrasco dos 4-1. Além disso, o Lucio não respeita o estágio como nós respeitamos, sobretudo em termos de alimentação. E se o senhor Mário estiver de acordo, nós gostaríamos de ver o Lucio fora da equipa o mais depressa possivel, para bem do clube". O Mário Cunha fez uma pausa e perguntou-me "e quem é que voces punham a jogar no lugar dele?" - "O Alexandre Baptista" - respondemos quase todos ao mesmo tempo. Morais, Alexandre Baptista, José Carlos e Hilário...não havia melhor defesa. Depois, como prova do nosso empenho, prontificámo-nos a ir para estágio durante 15 dias, até ao jogo da segunda mão com o Manchester. O Mário Cunha ficou parvo!
No dia em que pedimos para ficar em estágio, abraçamo-nos todos, demos as mãos e lançamos o mote "vamos a eles! Temos de os comer em Alvalade"!
No fim de semana seguinte jogámos para o campeonato e o Lucio já não actuou. Cumprimos a nossa palavra e até ao dia do jogo com o Manchester, só íamos a casa de 3 em 3 dias, buscar umas cuecas e uma camisola interior e deixar a roupa suja. Mesmo assim, íamos acompanhados por uma pessoa do Sporting. Tínhamos mesmo vontade de passar aquela eliminatória com o Manchester.
Além dos treinos normais, à noite, por volta das 22 horas, treinavamos às escuras em Alvalade. Íamos ao balneário, vestíamos o fato treino, sapatilhas e treinavamos. Nunca ninguém nos pediu, nós é que íamos por auto-recriação. Chagávamos às 11 e tal, quase meia noite, tomavamos o banho e íamos para a cama. Passamos os 15 dias assim. Treino de manhã, treino à tarde e treino à noite. Quanbo estavamos bem dispostos "malta, como é que é...vamos fazer um treininho lá para baixo" e íamos, 18 convocados, sem treinador e sem dizer nada a ninguém. Nós até tínhamos um autocarro à disposição na porta 10-A, o condutor era o Sr. Joaquim, para irmos ao cinema, mas nós não queríamos. Só pensavamos na cor do Manchester. Eu às vezes até dizia ao Carvalho, meu companheiro de quarto: "é pá, até parece que vejo os gajos do Manchester à minha frente durante o sono". Nós responsabilizamo-nos por aquela saída do Lucio e pela entrada do Alexandre. Em troca, tínhamos que eliminar o Manchester United. Como diz um ditado antigo: fizemos como as putas - unimo-nos, fomos todos juntos para todo o lado, até ao fim. Não saímos de casa. Estivemos 15 dias encurralados, só para ganhar aos gajos do Manchester. O Lucio nunca mais jogou. Acabou a ápoca e foi para o Brasil."
O resultado do jogo de Lisboa foi 5-0. A época acabou com a vitória na final da Taça das Taças contra o MTK, com o tal cantinho do Morais na finalíssima.
Nesse Manchester United que actuou em Lisboa, jogavam entre outros Bobby Charlton e George Best!
JG
Sangue LEONINO
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